Foi tudo tão rápido que antes de ter
tempo de piscar, a garota já não via mais aqueles que seriam responsáveis pelo
traumático ato de violação de seu corpo. Em seguida, num
inconsciente ato resultante do alívio por ter sido salva, ela foi com braços
abertos em direção ao seu desconhecido herói para afagá-lo fortemente como se
estivesse agarrando de volta sua própria vida. Ainda que não soubesse nada
sobre ele ou nem mesmo sua face ainda tinha visto, ela soltou em uma única
frase as palavras de gratidão em um trêmulo e baixo tom:
-
Obrigada! Muito obrigada! Não sei quem é e muito menos de onde veio, mas sou
grata do fundo do coração por ter salvado minha vida!
Lágrimas descontroladas percorriam
seu rosto enquanto ela envolvia em seus braços o corpo do misterioso salvador.
Esse por sua vez apenas correspondeu às expressões de agradecimento com um
simples afago na nuca da menina. E foi nessa hora que toda aquela sensação de
alívio e felicidade desapareceu. Dando lugar a um incompreensível sentimento de
medo jamais sentido antes que percorreu todo seu corpo. Aquele gelado toque em
sua nuca despertou dentro da menina um temor que esmagava seu coração a cada
segundo. “Por que? Porque estou me sentindo assim? Acabei de ser salva, mas
comecei a sentir algo muito pior do que antes...”, pensou ela antes de criar
coragem para olhar o rosto de seu suposto salvador. Mas tudo ficou
terrivelmente claro quando ela voltou seus olhos para o rosto de quem estava
abraçando. Uma coisa era certa; não era um homem comum. Seria um homem comum se
não fosse por aquele par de perfeitos rubis esculpidos no lugar de seus globos
oculares. Tão perfeitos quanto penetrantes; além disso, sua pele era tão alva
quanto a neve que vestiam os continentes gelados. As longas madeixas que
desabavam pelas suas costas mais pareciam ter vida própria; vermelhas como
sangue, cobriam toda a parte de trás do homem como uma capa rubra. E por último
ele revelou ser dono de uma voz única: cada palavra proferida de sua boca soava
como um prenúncio de morte.
– Desculpe, mas quando você me ouviu dizer que
vim aqui para te salvar? O que eu fiz foi nada além de cuidar da minha presa. Tsc,
tsc... Essa tua insistente ingenuidade até me encanta sabia?
Sem
condições de fazer nenhuma ação, a garota apenas escutava atemorizada as
palavras do misterioso ruivo de olhos vermelhos:
—Consegue
escutar esta bela música? É tão linda... Mas, pela sua expressão vejo que não
consegue; e mesmo com todo esse terrível silêncio. Posso ouvir tão claramente!
Mas porque apenas eu posso escutar? Devo estar ficando louco. Mas mesmo assim,
deixe-me compartilhar com você um pouco dessa bela melodia.
Nesse instante, ele aproximou seu
rosto ao ouvido da atônita jovem e cantarolou em um tom quase inaudível:
“Quando
o homem de cabelos vermelhos chegar
E
de seu absinto vermelho provar
Você
vai dormir e ele partirá
E
quando você sonhar, eu lá estarei
Para
sua alma convidar
A
caminhar de mãos dadas
No
lindo jardim de ninguém...”
Foi a última música que ela escutou.
Após o fim da canção, a moça sentiu uma gélida língua deslizar pelo seu pescoço
ao mesmo tempo em que sentia o também gélido ar que vinha da respiração do
sedento ruivo.
E em seguida, em seu último ato, a
jovem loira sem esperanças soltou um suspiro que ecoou pelo vazio silêncio que
devorava aquela nuviosa noite; para logo após ter seu desarmado pescoço perfurado
por um par de presas que mais pareciam pregos penetrando em um frágil pêssego.
Aqueles instantes pareciam ter sido congelados pela eternidade. Ainda podiam
ser ouvidos alguns profundos suspiros, mas desta vez não da jovem recém
desfalecida; mas do próprio vampiro ruivo que estava entrando em êxtase ao
deleitar-se ainda mais com o quente e jovem sabor do “absinto vermelho” de sua
presa de cabelos dourados.
Depois de satisfazer naquela noite
sua infindável sede, ele partiu. Não da mesma maneira que apareceu em um vulto,
mas lentamente; aproveitando cada passo; desfrutando da extasiante sensação que
ainda percorria seu corpo e ainda saboreando as últimas gotas do néctar
vermelho que tinha extraído da recém-falecida jovem loira. E continuou
caminhando em direção ao nada além da escuridão; cantando a mesma melodia até
que fizesse parte da própria noite e não mais pudesse ser visto.
“O homem de cabelos vermelhos se
foi. Mais uma vez. E agora que você dormiu minha criança, é hora de sonhar para
que eu possa lhe levar de mãos dadas para o jardim de ninguém.”
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