[conto] Se o Dia Tivesse 48 Horas

Dois jovens conversando num barzinho sobre lances do dia-a-dia, não muito longe da faculdade na qual eles estudavam:

― Haaa! Cara não aguento mais isso! Mesmo com dezenove anos, tenho mais responsabilidades em uma semana do que a Dilma tem o ano todo! Duas resenhas de Ciência Política, uma de Fundamentos de Direito sem contar a prova de Contabilidade na Sexta...

         Esse rapaz que reclama tanto é o Dionísio. Dentre suas várias atividades diárias ele era estudante do curso de Administração e naquela hora ele discutia com seu amigo e colega de curso Cain Vinícius. Interrompendo o desenfreado desabafo do colega, Cain disse:

― Cabeção! Se ligue! Ou coloca em prática o que aprendeu até hoje em Administração, fazendo um bom planejamento periódico, ou então você precisará de um dia de 48 horas para dar conta de tudo.

― Dia de 48 horas? Vinny, agente só tomou duas geladas e você já está falando doideiras... Fico com a idéia do planejamento mesmo.

― Eu sei que é loucura... Mas se você for olhar com uma visão mais crítica, nós precisaríamos que todos os nossos dias do ano tivessem pelo menos 48 horas para resolver tudo. Já reparou que todo fim de ano tem sempre uma coisa ou duas que deixamos para o próximo ou até mesmo pessoas que deixamos de visitar porque não deu tempo?

― Pois é Vinny. Estamos em outra era.  

―Justamente isso caro amigo! Os tempos mudaram! O mundo cresceu muito e um dos principais responsáveis por isso é o avanço tecnológico. Graças a ele, de um tempo pra cá, mais profissões surgiram, cidades cresceram, meios de comunicação e transporte evoluíram sem contar que as informações “correm” pelo mundo em uma velocidade assustadora até para nós dessa geração. E como uma coisa puxa a outra, isso resulta em maiores necessidades às vezes não tão necessárias assim. As pessoas se tornaram mais consumistas graças ao capitalismo que vem devorando cada vez mais o mundo em que vivemos. E no que resulta isso? As verdadeiras relações que são realmente importantes para uma boa qualidade de vida ficam de lado: amizades e namoros se tornam virtuais, compras são feitas sem nem mesmo precisar ver o vendedor, aulas são administradas por um professor que ao menos se quer na sala de aula está... Estamos cada vez mais nos entregando a uma fria e isolada sociedade virtual...

― Ei você tem razão Vinny! As aulas têm deixado você mais inteligente meu garoto... Mas eu não gosto de culpar a tecnologia pelo que acontece hoje. Afinal é graças a ela que nosso mundo evoluiu tanto. Então acho que o problema aqui não é a tecnologia em si, mas sim como a utilizamos. A sociedade está se deixando ficar dependente de sua própria criação, e como você falou; cada vez mais nossas relações se tornam artificiais.

― E como resultado disso vemos um mundo em que não sobra tempo para aproveitar a vida e desfrutar de boas relações reais como deveria. Fico imaginando o dia em que não mais estaremos curtindo uma boa gelada como agora e faremos parte de grupos em barzinhos virtuais onde o cheiro da “gelosa” e o gosto vêm do monitor.

 ― Haha Vinny sem essa! Se um dia desses chegar, espero já ter feito tudo aqui nesse mundo e já ter partido para outro! Mas vou te dizer... Se eu pudesse ter nem que fosse apenas um dia de 48 horas, seria para fazer tudo o que ainda não pude direito... Passaria mais tempo com minha família, dedicaria mais tempo para meus verdadeiros amigos, como você Vinny; ouviria mais música, curtiria mais o fim de semana, iria mais a praia, amaria mais... Aliás falando nisso, minha namorada! Vou na casa dela agora! Com toda essa correria faz três dias que não a vejo! Afinal, meu dia tem apenas 24 horas e uma nota perdida dá para recuperar, um emprego perdido é péssimo, mas é possível arrumar outro. Mas um amor perdido... Esse sim leva uma dez eternidades para conseguir e não tenho tanto tempo assim!

         Os dois riram bastante no fim da conversa, terminaram a última cerveja e depois cada um foi para seu lado. Muito tempo se passou depois daquele dia e eles ainda não conseguiram o tão sonhado “dia de 48 horas”. Mas pelo menos, naquele dia, naquele barzinho antes que fosse tarde de mais, eles perceberam que deve-se dedicar o tempo para aquilo que realmente é importante, pois do que adianta tanta tecnologia quando se pode ser feliz com coisas muito mais simples como um abraço apertado, uma troca de sorrisos, gestos e sentimentos verdadeiros ou a sensação de existir para os outros e não apenas para si mesmo? 

Fim